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Tumor de células gigantes

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O tumor de células gigantes é neoplasia de natureza mesenquimal, caracterizada pela proliferação de células gigantes multinucleadas (gigantócitos) que se assemelham aos osteoclastos, em meio de estroma de células mononucleadas (fig. 1a). Também é conhecido como osteoclastoma e tumor giganto-celular, sendo corrente o emprego das siglas TCG ou TGC. Foi primeiramente descrito por Sir Astley Cooper(1) em 1818. Posteriormente, Paget (1853)(2) denominou-o “tumor marrom ou mielóide”. Nelaton (1860)(3) descreveu suas características clínicas e histológicas, salientando sua agressividade local e dando-lhe o nome de “tumor a mieloplaxis”. Gross (1879)(4) insistiu sobre sua benignidade e ressaltou as dificuldades de diagnóstico diferencial com “a variante aneurismática do sarcoma medular”. Com o advento da radiologia, apurou-se o diagnóstico diferencial dessa lesão e Bloodgood (1923)(5) propôs a denominação de “tumor benigno de células gigantes”. 

Tumor de células gigantes

Nas últimas décadas, muito se tem discutido sobre a natureza do tumor giganto-celular. Para Geschikter e Copeland (1949)(6) e Willis (1949)(7), o tumor giganto-celular seria uma neoplasia de osteoclastos em meio de estroma mesenquimal, dada a semelhança entre o gigantócito e o osteoclasto normal.

Jaffe et al (1940)(8) descreveram sua origem como sendo derivada das células do estroma. Sherman (1965)(9) afirmou que o osso desaparecia no local de crescimento do tumor e os gigantócitos resultariam da fusão das células mesenquimais do estroma, tendo em conta a semelhança entre a microscopia óptica dos núcleos do estroma e das células gigantes. Os trabalhos de histoquímica e cultura de tecidos realizados por Schajowicz (1961)(10) não demonstraram diferenças significativas entre os gigantócitos tumorais e os osteoclastos normais. Por outro lado, estudos utilizando microscopia eletrônica(11) confirmaram que as células gigantes são sincícios constituídos de células do estroma. Assim, as células mesenquimais indiferenciadas da medula óssea dariam origem ao estroma tumoral, cujas células, por sua vez, ao se diferenciarem, formariam aglomerados com as características dos gigantócitos. As numerosas células gigantes que se assemelham aos osteoclastos, em meio de estroma de células fusiformes, são os elementos mais importantes desse tumor. O aspecto histológico do TGC apresenta características comuns a diversas lesões tumorais e pseudotumorais(12,13), sendo necessária a análise conjunta com as características clínicas e de imagem para a confirmação do diagnóstico(14,15).

Os principais diagnósticos diferenciais, tanto do ponto de vista clínico, radiográfico como anatomopatológico, são: cisto ósseo aneurismático, osteossarcoma teleangectásico e condroblastoma(16,17). O TGC em geral acomete um só osso. Quando se encontra lesão sugestiva desse tumor em vários ossos, deve-se verificar a possibilidade de tratar-se de “tumor marrom do hiperparatireoidismo”, o qual apresenta aspecto radiográfico semelhante, mas com múltiplas lesões e sugestivas alterações do cálcio e fósforo sérico(18). O TGC ocorre na terceira e quarta décadas de vida, comprometendo igualmente ambos os sexos(19-22). A manifestação principal é a dor local intermitente, acompanhada ou não de aumento de volume da região afetada. O tempo de história é variável e depende do osso e da região afetada(23-26).
Alguns doentes procuram o tratamento devido à dor, outros pela percepção do tumor ou por fratura patológica(27,28). Geralmente, relacionam o início da história clínica com algum trauma(29,30). Como o tumor é epifisário, o comprometimento articular com limitação dos movimentos é freqüente, com progressiva alteração funcional, podendo ocorrer derrame intra-articular (fig. 1c), simulando quadro clínico de processos meniscais ou de artrite(31,32). O TGC é mais freqüente na epífise distal do fêmur (28,2%) (figs. 1c e 1d) e proximal da tíbia(19,23,31,33) (fig. 1b), seguida pelas regiões proximal do úmero e distal do rádio. No esqueleto axial é raro e, quando ocorre, predomina no sacro. Quando localizado no ilíaco (fig. 2) ou no sacro (figs. 3 e 4), geralmente apresenta grande volume, dor intensa, podendo causar manifestações neurológicas(34,35). Na radiografia observa-se lesão de rarefação óssea epifisária, de início excêntrica e respeitando os limites da cortical. Com a evolução, pode ocorrer ruptura da cortical e comprometimento articular (figs. 1c e 1d). A tomografia computadorizada pode ajudar a avaliar o grau de comprometimento articular e de erosão cortical, facilitando a escolha da melhor técnica de reconstrução cirúrgica.
O mapeamento ósseo é caracterizado por área de hipercaptação uniforme na epífise afetada. Mais recentemente, podemos utilizar também o recurso da ressonância magnética para avaliar os limites do tumor e suas características de lesão sólida homogênea, podendo apresentar áreas de conteúdo líquido, decorrente de necrose tumoral ou de associação com áreas de cisto ósseo aneurismático. O tratamento do tumor de células gigantes atualmente está bem estabelecido. Deve-se optar, sempre que possível, pela ressecção segmentar da lesão, com margem de segurança oncológica tanto no osso como nas partes moles (figs. 2, 3 e 4). Essa cirurgia proporciona maior oportunidade de cura, com menor risco de recorrência(36-39). Entretanto, nas regiões em que a ressecção segmentar não for factível, dever-se-á realizar a curetagem endocavitária (fig. 8), de forma criteriosa, complementando com terapia adjuvante; laser, CO2, fenol diluído a 4%, nitrogênio líquido ou eletrotermia (fig. 8b). O metilmetacrilato tem baixo efeito adjuvante. Quando for empregado, para preenchimento da cavidade, deverá ser precedido por uma das terapias adjuvantes mencionadas(37,40).
No passado, a curetagem apresentava altos índices de recidiva por não se fazer abertura óssea que permitisse limpeza eficaz e por não se usarem adjuvantes locais. Atualmente, quando se indica a curetagem endocavitária, preconiza-se a execução de grande janela óssea, proporcionando visão ampla da lesão. No DOT da SCMSP complementamos a curetagem com fresagem da cavidade; utilizamos para isso o Lentodrill com fresa odontológica esférica (fig. 8c)(33,37).

Empregamos a eletrotermia(33,37,41) como adjuvante local, utilizando-se para isso do bisturi elétrico. Essa técnica de eletrotermia é eficaz, pois com a ponta encurvada do bisturi conseguimos atingir áreas de acesso mais difícil. A eletrotermia, além da cauterização, realiza também uma complementação da curetagem, à medida que as células tumorais, remanescentes nas pequenas “cáries” da parede óssea, são destruídas e vão desprendendo-se, facilitando sua remoção. A eletrotermia deve preceder a fresagem, evitan-do-se possível disseminação das células, devido à rotação do Lentodrill. Na região do joelho (fig. 5) indicamos freqüentemente a curetagem endocavitária, seguida da eletrotermia e fresagem com Lentodrill. Isso porque a ressecção segmentar dessa região implicaria artrodese ou substituição por endoprótese ou enxerto homólogo osteoarticular.

A artrodese da articulação do joelho gera grande limitação para o paciente, o que restringe sua indicação. As substituições protéticas em pacientes jovens podem traduzir-se em problemas num futuro próximo e sua indicação deve ser criteriosa. O enxerto homólogo osteoarticular apresenta inúmeras restrições. Dessa forma, para a região do joelho, indicamos inicialmente a terapia mais conservadora: curetagem seguida de adjuvante local, fresagem e preenchimento com enxerto ósseo autólogo. Para os casos avançados, com destruição importante da estrutura óssea, em que tanto a função articular quanto o controle local da doença possam vir a ser comprometidos com a técnica da curetagem, indicamos a ressecção segmentar e reconstruímos com endoprótese e, excepcionalmente, artrodesamos(37). Resta ainda um breve comentário quanto ao preenchimento da cavidade tratada. Este pode ser feito com enxerto ósseo autólogo, com enxerto homólogo ou com metilmetacrilato (fig. 10). Cada uma dessas técnicas tem suas vantagem e desvantagens (fig. 11)(33,37,39,42,43).
Figura 10
Figura

O metilmetacrilato permite visualizar eventuais recidivas com facilidade, é de fácil emprego e permite carga precoce; entretanto, não é solução biológica e podem ocorrer fraturas na região(39).

O enxerto ósseo é solução biológica e definitiva; entre-tanto, dificulta a visualização de possível recidiva precoce, que pode confundir-se com a reabsorção fisiológica do processo de integração do enxerto, além de ainda requerer cerca de seis meses, em média, para carga total. O enxerto homólogo não autólogo tem maior período de integração, nem sempre é disponível, mas, por outro lado, encurta o tempo cirúrgico. O enxerto autólogo tem a vantagem da imunocompatibilidade e da integração mais rápida, porém prolonga o tempo cirúrgico. Devido ao risco de transformação maligna, a radioterapia só pode ser considerada como opção de tratamento nos tumores de células gigantes localizados em estruturas de difícil acesso cirúrgico. Dessa forma, principalmente para a região do joelho, o ortopedista familiarizado com tratamento das lesões oncológicas deverá avaliar os aspectos clínicos, radiográficos, o grau de destruição articular, a profissão do paciente, enfim, todos os fatores pertinentes, para poder realizar a melhor indicação terapêutica(37). As complicações inerentes a esse tumor são as recidivas, afundamentos da superfície articular, levando a desvios em varo, valgo, antecurvatum ou retrocurvatum. Excepcionalmente, podem ocorrer metástases pulmonares ou malignização(43-46).REFERÊNCIAS1. Cooper A., Travers B.: Surgical Essays. London, Cox and Son, 1818. 2. Paget J.: Lectures on Surgical Pathology. London, Longmans, 1853. 3. Nelaton E.: D’une Nouvelle Espece de Tumeurs à Mieloplaxes. Paris, Adrien Delahaye, 1860. 4. Gross S.W.: Sarcoma of the long bones: based upon a study of one hun- dred and sixty five cases. Am J Med Sci 78: 17-19, 1879. 5. Bloodgood J.C.: Benign giant cell tumor of bone: its diagnosis and conservative treatment. Am J Surg 37:105-106, 1923. 6. Geschikter D.F., Copeland N.M.: Tumors of Bone. Philadelphia, J.B. Lippincott, 1949. 7. Willis G.E.: The pathology of osteoclastoma or giant cell tumors of bone. J Bone Joint Surg [Br] 31: 236-238, 1949. 8. Jaffe H.L., Lichtenstein L., Portis R., R.B.: Giant cell tumor of bone. Pathologic appearance, grading, supposed variants and treatment. Arch Pathol 30: 993-995, 1940. 9. Sherman M.: “Giant cell tumor of bone” in Tumors of bone and soft tissue. Chicago, Year Book Medical Publishers, 1965. 10. Schajowics F.: Giant cell tumors of bone (osteoclastoma): a pathologi- cal and histochemical study. J Bone Joint Surg [Am] 43: 1-3, 1961. 11. Hanaoka H., Friedman N.B., Mack R.P.: Ultrastructure and histogenesis of giant cell tumor of bone. Cancer 25: 1408-1423, 1970. 12. Wilson Jr. P.D.: A clinical study of the biochemical behavior defects. 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Autor : Prof. Dr. Pedro Péricles Ribeiro Baptista

 Oncocirurgia Ortopédica do Instituto do Câncer Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho

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