Esta biblioteca digital abriga o livro sobre Oncologia e Oncocirurgia Ortopédica.

Ela inclui aulas acadêmicas, palestras proferidas em congressos nacionais e internacionais, trabalhos publicados, discussões de casos, procedimentos cirúrgicos realizados e técnicas próprias desenvolvidas.

O formato digital foi escolhido porque a web permite a inclusão de textos com inúmeros recursos visuais, como imagens e vídeos, que não seriam possíveis em um livro impresso.

O conteúdo é destinado a estudantes, profissionais da saúde e ao público em geral interessado na área.

Dispositivo de fixação interna extensível

Dispositivo de fixação interna extensível. Os autores apresentam método de fixação interna dinâmica que consiste numa peça de aço inoxidável que possui uma aba adaptada ao osso que vai ser estabilizado e uma canaleta que conterá uma das extremidades da placa a ser empregada na osteossíntese. Esta fixação impede os desvios rotacionais, em valgo, em varo, em antecurvatum e em retrocurvatum, porém não bloqueia o crescimento ósseo da epífise que é fixada. Este dispositivo, denominado de “dispositivo para fixação interna extensível “, foi desenvolvido no “Pavilhão Fernandinho Simonsen”, pelo Grupo de Ortopedia Oncológica do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (DOT-SCMSP-SP) e é indicado para o tratamento cirúrgico de casos selecionados de lesões tumorais agressivas, podendo também ser empregado no tratamento de outras afecções, como malformações congênitas e seqüelas de traumas ou infecções que necessitem de reconstruções com estabilização dinâmica, sem bloquear o crescimento ósseo. 

Dispositivo de fixação interna extensível

INTRODUÇÃO

A busca de soluções biológicas que possibilitem resolver as falhas ósseas, provocadas por lesões tumorais ou pseudotumorais localmente agressivas, malformações congênitas, traumas e infecções, vem despertando cada vez mais o interesse dos ortopedistas(1).

Os progressos dos recursos terapêuticos, no tratamento dos tumores ósseos malignos, têm proporcionado maior sobrevivência e até mesmo a perspectiva de cura dos pacientes. Por outro lado, advém a complicação inerente das endopróteses ao longo do tempo. A correlação desses fatores exige, portanto, o aprimoramento dos métodos biológicos de reconstrução que pretendem ser definitivos(1-4). Revisando a literatura referente às reconstruções ósseas no esqueleto em desenvolvimento, pode-se constatar que este assunto é de interesse atual(1,2,4-6).

Fig. 1 – Arteriografia do fêmur, mensuração de 20cm de ressecção. Arteriografia da fíbula e esquema do enxerto vascularizado.
Fig. 1 – Arteriografia do fêmur, mensuração de 20cm de ressecção. Arteriografia da fíbula e esquema do enxerto vascularizado.
Não encontramos, entretanto, nenhuma publicação que fizesse referência a qualquer forma de fixação interna dos ossos longos que permitisse estabilizar a epífise com o segmento diafisário (fixando a placa epifisária), mas que ao mesmo tempo não bloqueasse o seu crescimento. Tal mecanismo deveria permitir de algum modo o deslizamento do sistema de osteossíntese, de forma a não impedir o crescimento ósseo do segmento estabilizado. Em decorrência do tratamento de um paciente com sarcoma de Ewing, desenvolvemos um dispositivo de fixação interna que mantém a estabilização da reconstrução e, ao mesmo tempo, permite o crescimento do osso, quer seja por sua própria placa epifisária ou pela placa epifisária do enxerto ósseo transportado ou transplantado por técnica microcirúrgica. Este dispositivo impede os desvios rotacionais, em val-go, em varo, em antecurvatum e em retrocurvatum, porém não bloqueia o crescimento ósseo da placa epifisária que foi estabilizada. Para melhor compreensão, apresentaremos a descrição do primeiro caso tratado com este dispositivo, bem como exemplificaremos sua utilização e possibilidade de adaptação para outros segmentos ósseos.
Fig. 2 – Acesso medial, facilitando as anastomoses. Detalhes da peça ressecada, da placa angulada e das anastomoses.
Fig. 2 – Acesso medial, facilitando as anastomoses. Detalhes da peça ressecada, da placa angulada e das anastomoses.
Fig. 3 – Após 8 meses da 1ª cirurgia – peças de aço inoxidável – encaixe da placa permitindo o deslizamento – RX após a 2ª cirurgia.
Fig. 3 – Após 8 meses da 1ª cirurgia – peças de aço inoxidável – encaixe da placa permitindo o deslizamento – RX após a 2ª cirurgia.

DESCRIÇÃO DA TÉCNICA

Em fevereiro de 1999, o paciente do sexo masculino L.C.A.A., com nove anos de idade, encontrava-se em tratamento quimioterápico pré-operatório de sarcoma de Ewing diafisário do fêmur direito no Serviço de Hematologia e Oncologia Pediátrica do Departamento de Pediatria e Puericultura da Santa Casa Misericórida de São Paulo.

Fig. 4 – Acesso medial para retirada dos parafusos da placa angulada. Colocação da lâmina curva entre o fêmur e a placa. Aposição da segunda lâmina por sobre a primeira e a placa. Fixação do dispositivo com parafusos de anterior para posterior.
Fig. 4 – Acesso medial para retirada dos parafusos da placa angulada. Colocação da lâmina curva entre o fêmur e a placa. Aposição da segunda lâmina por sobre a primeira e a placa. Fixação do dispositivo com parafusos de anterior para posterior.
Com a favorável resposta da quimioterapia neo-adjuvan-te, optamos por efetuar a ressecção do segmento afetado e realizar uma solução de reconstrução biológica com transplante de fíbula contralateral vascularizada, por técnica microcirúrgica. Para avaliar a extensão do comprometimento medular, realizamos radiografias, cintilografia óssea, tomografia e ressonância magnética, pré e pós-quimioterapia, que nos mostraram, com segurança, a possibilidade de ressecção do segmento diafisário, com preservação da placa de crescimento do fêmur afetado. No planejamento cirúrgico, calculamos 20cm de ressecção, realizamos arteriografia, escolhemos os vasos para as anastomoses (fig. 1) e optamos por via medial para facilitar a ressecção, a colocação de placa angulada fixando a epífise e a diáfise femoral e as anastomoses vasculares por microcirurgia (fig. 2). Oito meses após, a radiografia de controle mostrava o transplante ósseo totalmente integrado, tanto no segmento proximal quanto distal (fig. 3). Entretanto, a fíbula ainda não havia obtido o espessamento necessário para dispensar a proteção da placa angulada. Esta osteossíntese com placa angulada, fixada na diáfise e na epífise distal do fêmur, atuava bloqueando o crescimento do osso proporcionado pela placa epifisária distal do fêmur, além de impedir que a fíbula transportada recebesse a solicitação de carga adequada, para poder reagir e espessar-se mais rapidamente.
Fig. 5 – L.C.C.A., masculino, 9 anos. Dispositivo estabilizando a osteossíntese. Início do deslizamento da placa (aparece o primeiro orifício).
Fig. 5 – L.C.C.A., masculino, 9 anos. Dispositivo estabilizando a osteossíntese. Início do deslizamento da placa (aparece o primeiro orifício).
Ficamos receosos em substituir o método de estabilização por fixadores externos, visto suas complicações, tanto pelas lesões degenerativas musculares, alterações tróficas e funcionais que provocam, como pelo risco de infecção nos pacientes em regime de quimioterapia. Para resolver aquela situação, solicitamos a confecção de dispositivo constituído por duas peças de aço inoxidável que pudessem ser adaptados no segmento proximal da osteossíntese, de forma a manter o suporte propiciado pela placa angulada e ao mesmo tempo permitir que ela pudesse deslizar e não bloquear o crescimento ósseo (fig. 3). Realizamos pequeno acesso cirúrgico medial, no extremo proximal, retiramos os parafusos de fixação da haste da placa ao osso (direcionados de medial para lateral), e colocamos a lâmina curva entre o fêmur e a placa, apusemos a segunda lâmina modelada de forma a adaptar-se por sobre a haste da placa angulada e a parafusamos no sentido ântero-posterior (fig. 4).
Fig. 6 –Evidência de crescimento do osso e deslizamento da placa. Aparece o segundo “espaço de parafuso” – espessamento do enxerto – membros equalizados
Fig. 6 –Evidência de crescimento do osso e deslizamento da placa. Aparece o segundo “espaço de parafuso” – espessamento do enxerto – membros equalizados
Fig. 7 – Continua o crescimento (aparece o terceiro orifício de parafuso). O fêmur operado cresceu mais que o outro lado. Escanograma confirmando.
Fig. 7 – Continua o crescimento (aparece o terceiro orifício de parafuso). O fêmur operado cresceu mais que o outro lado. Escanograma confirmando.
Fig. 8 – Pós-operatório de oito meses da primeira cirurgia (carga parcial) – joelhos desnivelados (maior à direita), carga total (1 ano e 1 mês da 2ª cirurgia).
Fig. 8 – Pós-operatório de oito meses da primeira cirurgia (carga parcial) – joelhos desnivelados (maior à direita), carga total (1 ano e 1 mês da 2ª cirurgia).
Dessa forma, obtivemos boa estabilidade no sentido de bloquear os esforços de movimentos rotacionais, em varo, em valgo, em retrocurvatum ou antecurvatum, porém permitindo que a haste da placa deslizasse à medida que ocorresse o crescimento ósseo (fig. 5).
Fig. 9 – R.N.M. determinando nível da ressecção, sacrificando a placa de crescimento da tíbia. Detalhe do periósteo recobrindo a lesão, dissecção do tendão patelar e músculo tibial anterior. Placa especial confeccionada e modelada para o paciente e dispositivo ocluído no extremo distal, com a aba de fixação angulada para adaptar-se ao formato triangular da tíbia.
Fig. 9 – R.N.M. determinando nível da ressecção, sacrificando a placa de crescimento da tíbia. Detalhe do periósteo recobrindo a lesão, dissecção do tendão patelar e músculo tibial anterior. Placa especial confeccionada e modelada para o paciente e dispositivo ocluído no extremo distal, com a aba de fixação angulada para adaptar-se ao formato triangular da tíbia.
No quarto mês de pós-operatório, da colocação do dispositivo extensível (segunda cirurgia), pudemos verificar o estirão de crescimento e o deslizamento da haste da placa angulada (fig. 6), na distância de cerca de um “espaço de parafuso” (fig. 5). O paciente iniciou carga parcial, deambulando com auxílio de muletas axilares (fig. 5). Na radiografia de controle após um ano, da colocação do dispositivo para fixação interna extensível, pudemos observar a continuidade de deslizamento (fig. 6) da haste da placa angulada, em que visualizamos o avanço de mais outro “espaço de parafuso” (fig. 6). A fíbula torna-se mais espessa (fig. 6) e o paciente aumenta o peso no membro operado (fig. 6). No décimo terceiro mês começa a aparecer o terceiro orifício da placa (fig. 7). No exame clínico do paciente (fig. 7), pudemos observar que o lado operado cresceu dois centímetros a mais que o lado não operado, confirmado pela escanometria (fig. 7). Este maior crescimento deveu-se aos estímulos provocados pela primeira cirurgia, pelo enxerto vascularizado e pela segunda cirurgia (colocação do dispositivo extensível). Observamos que vem ocorrendo uma equalização no tamanho dos membros e acreditamos que ao final do crescimento os membros estarão do mesmo tamanho ou a diferença será mínima. O paciente passou a caminhar com carga total (e compensação de 2cm), podendo-se observar o lado operado mais longo, onde se verifica que o nível do joelho está mais baixo do lado operado (fig. 8).
Fig. 10 – Emprego da fíbula proximal, com sua placa de crescimento, detalhe da inclinação em valgo do planalto tibial. Paciente com carga parcial, detalhe clínico do joelho em valgo. RX após 14 meses, com crescimento de 0,75cm pela placa fisária da fíbula e correção da angulação do planalto tibial. Paciente com carga e com correção clínica do valgo.
Fig. 10 – Emprego da fíbula proximal, com sua placa de crescimento, detalhe da inclinação em valgo do planalto tibial. Paciente com carga parcial, detalhe clínico do joelho em valgo. RX após 14 meses, com crescimento de 0,75cm pela placa fisária da fíbula e correção da angulação do planalto tibial. Paciente com carga e com correção clínica do valgo.
Fig. 11 – W.R.C., 15 anos, PO 18 meses. Paciente em crescimento, membros equalizados e alinhados. Boa função do joelho.
Fig. 11 – W.R.C., 15 anos, PO 18 meses. Paciente em crescimento, membros equalizados e alinhados. Boa função do joelho.
Fig. 12 – W.R.C., 16 anos. Pós-operatório 21 meses. Radiografia mostrando o fechamento da linha epifisária. Patiente com carga total e flexão do joelho.
Fig. 12 – W.R.C., 16 anos. Pós-operatório 21 meses. Radiografia mostrando o fechamento da linha epifisária. Patiente com carga total e flexão do joelho.

Atualmente empregamos este dispositivo para fixação interna extensível de imediato, sendo que o mesmo consiste, atualmente, numa única peça que tem a aba lateral curva para adaptar-se ao fêmur e úmero ou esta pode ser plana com uma angulação para adaptar-se ao formato triangular da tíbia (fig. 9). Outro paciente, W.R.C., 14 anos, portador de osteossarcoma da tíbia direita, é exemplo, relativamente recente, de reconstrução do segmento metafisário proximal da tíbia, com ressecção que incluiu também a placa de crescimento; realizamos a reconstrução com a fíbula incluindo-se a sua epífise e utilizando a placa epifisária desta fíbula para prover o crescimento (fig. 9). Podemos observar o deslizamento de 0,75cm comparando as distâncias entre a placa fisária da fíbula transportada e o limite do dispositivo extensível. Pode-se verificar a correção radiográfica da inclinação em valgo do planalto tibial e também o realinhamento clínico do joelho (fig. 10). O paciente atualmente encontra-se em fase final de crescimento e apresenta boa função do joelho (figs. 11 e 12).

COMENTÁRIOS

Acreditamos que este dispositivo para fixação interna extensível, que desenvolvemos, possa ser empregado tanto para o tratamento de casos selecionados de lesões tumorais agressivas como também para outras afecções, tais como malformações congênitas e seqüelas de traumas ou infecções, que porventura venham necessitar de reconstruções que requeiram o mecanismo de estabilização que permita fixar a epífise, porém sem bloquear o crescimento ósseo.

REFERÊNCIAS

1. Manfrini M., Gasbarrini A., Malaguti C., et al: Intraepiphyseal resection of the proximal tibia and its impact on lower limb growth. Clin Orthop 358: 111-119, 1999. 2. Eckardt J.J., Kabo J.M., Kelley C.M., et al: Expandable endoprosthesis reconstruction in skeletally immature patients with tumors. Clin Orthop 373: 51-61, 2000. 3. Capanna R., Bufalini C., Campanacci M.: A new technique for reconstructions of large metadiaphyseal bone defects. Orthop Traumatol 2:159-177, 1993. 4. Cool W.P., Carter S.R., Grimer R.J., Tillman R.M., Walker P.S.: Growth after extendible endoprosthetic replacement of the distal femur. J Bone Joint Surg [Br] 79: 938-942, 1997. 5. Baptista P.P.R., Guedes A., Reggiani R., Lavieri R.F., Lopes J.A.S.: Tibialização da fíbula distal com preservação da placa epifisária: relato preliminar. Rev Bras Ortop 33: 841-846, 1998. 6. Baptista P.P.R., Guedes A., Reggiani R., Lavieri R.F., Pires C.E.F.: Tibialização da fíbula: descrição de abordagem cirúrgica. Rev Bras Ortop 33: 861-866, 1998.

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Autor : Prof. Dr. Pedro Péricles Ribeiro Baptista

 Oncocirurgia Ortopédica do Instituto do Câncer Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho

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